14/11/2016

O custo do preço


    Não é de hoje que as pessoas tentam esticar seus vencimentos, para poderem ter algo melhor em casa ou viajar para mais longe, de vez em quando. A justiça desta prática está no conceito de que cada um tem as suas prioridades e ninguém, nem a família, nem entidades e muito menos o Estado, deve dizer até onde cada um deve ir, dentro do que preconiza a lei. Apesar de a medição cronológica ser padronizada no mundo inteiro, o tempo de cada um só cada um sabe, aguardar trâmites e pareceres pode simplesmente inviabilizar algo pelo que se trabalhou por anos. Pode não ser só a aquisição em si, mas os efeitos que ela precisa gerar, estes geralmente têm prazos de implementação e de validade.

    Aqui vem o lado B dessa história. Há lugares onde a lei simplesmente submete a pessoa ao Estado, que muitas vezes é o próprio governante, seja um indivíduo ou um partido. Aqui o indivíduo não é um cidadão, mas um refém do governo. Como refém, o seqüestrador faz o que bem entende dele, quase sempre com leis escritas de modo que qualquer interpretação estatal seja válida. É assim que muitos, mas muitos países mesmo, conseguem legalizar a mão de obra semiescrava ou mesmo escravizada, esta muitas vezes de presos políticos e até de sua famílias inteiras, para reduzir os preços de venda.

    Sabem aquele "perfume" Chanel baratinho, vendido por menos da metade do original? Acreditam mesmo que aquilo é Chanel? Que perfumistas altamente gabaritados e bem pagos são técnicos responsáveis pelo conteúdo daquele vidro? Repensem, porque muita gente se recusa a fazê-lo, porque vai acabar concluindo que nem mesmo a embalagem do perfume original custa só aquilo. O sujeito quer acreditar que está usando Chanel, vestindo Balmain, carregando uma Louis Vuitton, calçando Leon Verres, vendo as horas em um Cartier... Até vale ter uma imitação de carro de luxo para mentir a si mesmo que anda de Rolls Royce. Graças a essa gente que não mede conseqüências para parecer o que não é, muitas ditaduras conseguem parecer "democracias populares" aos olhos dos que querem se convencer de que defendem o povo.

    Um artesão com remuneração minimamente decente, não consegue competir com os preços de varejo de uma linha de montagem, por isso ele tem três caminhos básicos para conseguir sua clientela, só uma não é cara: Fazer muitas peças simples e parecidas entre si, mas com diferenças visíveis a distância, pois não haveria tempo para controle de padrão; Fazer peças para nichos de mercado, muito personalizadas e difíceis de produzir em larga escala; Fazer peças exclusivas sob encomenda, para clientes selecionados. A primeira opção é a única não cara, a última opção é só para os ricos, ou para quem poupar uma vida inteira para ter uma peça assinada por aquele artista.

    Fora isso, a única opção para se vender peças com um bom grau de personalização e bom padrão de acabamento e qualidade, é investir bilhões em uma fábrica gigantesca, repleta de prototipadoras rápidas de última geração e altíssima precisão, com mão de obra altamente especializada em cada canto, até mesmo na faxina, para o quê seria necessário ter uma demanda muito grande, sob o risco de se perder todo o investimento e todos os empregos gerados. Também há a opção de ajudar a financiar uma ditadura famosa por maltratar diplomatas de outros países mesmo em seus respectivos países. Não, obrigado! Fico sem, mas não compro deles.

    À parte a perversidade desses governos autoritários, boa parte da culpa é do consumidor, que não hesita em ver o preço, mas não quer saber quando uma reportagem, como esta, denuncia o tráfico de escravos em pleno século XXI. Por longas décadas, as crianças precisaram se conformar com o poder aquisitivo dos pais e se contentar com brinquedos muitas vezes simples, sem qualquer apelo além da estimulação da imaginação, mas que por isso mesmo eram mais valorizados e acabavam durando mais tempo; e sempre tinha como fazer um remendo aqui e ali, até o aniversário ou o próximo natal. O melhor é que eram brinquedos feitos por funcionários minimamente remunerados, com folgas, férias, planos de aposentadoria, et cetera. Não adianta a imprensa denunciar todos os dias, se o consumidor não educar a si mesmo e seus rebentos para usufruírem ao máximo do que têm, em vez de sonhar em parecer o que não são.

    Não digo que ninguém pode aspirar ser um magnata, muito pelo contrário. Eu nunca caí naquela conversa superficial de que "toda propriedade é ilegítima", mas enquanto não fores um magnata, e nunca serás se não souber fazê-lo, precisas administrar teu orçamento e tuas condições de vida! Se está difícil mantendo o controle, imagine se perde-lo! Não preciso repetir aqui o que já escrevi sobre crianças mimadas e incapazes de lidar com frustrações, vocês podem ver isso por si em seu cotidiano. O foco aqui é a sua festa, por simples que seja, não transformar o natal de outrem em um inferno. Para isso vale também a criatividade, que as pessoas se acostumaram a só usar para levar vantagem sobre o outro. Algumas folhas de papel cartão, cola escolar, glitter e barbantes coloridos, podem fazer milagres na decoração de uma casa humilde. Principalmente se cada morador da casa ajudar pelo menos um pouco na tarefa. Um galho caído de uma palmeira ou um cacho vazio de açaizeiro, e muitas cidades estão repletas deles, pode ser uma perfeita substituição para uma árvore comprada. Sugestões não faltam pela internet, como estas, estas, estas e estas, além de muitas outras, basta procurar por "decoração econômica de natal".

    Verão o que sempre lhes disse, não é preciso gastar os tubos para ser elegante. Muitas vezes o dinheiro acaba sofrendo nas mãos de gente completamente tosca, mimada e sem absolutamente nenhuma classe! Muitos de vocês provavelmente se descobrirão aristocratas andando de ônibus. Experimentem e verão o que digo.

  Minha intenção aqui, deixo bem clara, é vocês fazerem suas comemorações às suas próprias custas, não às custas da vida alheia. É fazer um natal digno, honesto, sem hipocrisia e livre de pesos. O baratinho só é realmente barato se for muito simples, feito em muito larga escala, for ponta de estoque ou tiver em grande promoção. Para qualquer outra situação pode ter havido até sangue subsidiando o teu luxo. Não se deve ser avarento, mas tampouco um ilusionista social, porque o feitiço dessa ilusão vai se voltar contra vocês e contra quem foi obrigado a realiza-lo.

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